28.2.07

Eles


A invasão começou. Se não repararam ainda, é porque provavelmente andam distraídos com outras coisas. Mas eles chegaram.


Fui sair com amigos, entrámos num bar todo catita, e eles lá estavam.


Pensem no sítio com maiores probabilidades de virem a ter um encontro de 3º grau com um ser alienígena. - Esse sítio é um bar? Não!

Mas eles lá estavam, com um ar satisfeito, disfarçados de candeeiros do design, a voar baixinho sobre o balcão.




Mas, pensando bem, acaba por não ser assim tão estranho. Uma invasão ainda é coisa para cansar um indivíduo.


Há muito preparativo a tratar: atestar o depósito da nave, carregar os ultra-lasers Vorton X8 nas armas, arrumar os manuais de anatomia dos nativos, encher o frigorífico de mantimentos, guardar os primeiros socorros, fazer as malas sem saber se está frio ou calor, arranjar trocos para as portagens… é, no mínimo, compreensível que lhes apeteça beber um copo quando chegam.

É como ir desanuviar um pouco depois de um dia de trabalho intenso.





Fui falar com eles, porque me interesso por estes assuntos de planetas e naves e malta mutante com ar de batata assada.


Uma partidinha de snooker para relaxar.


A boa notícia é que aquilo não era bem bem o que se chama de “invasão”, era só uma viagem de finalistas. Aparentemente, estes eram alunos do secundário.


A má é que a invasão a sério já está em curso há uns séculos. Começaram pela Madeira. O continente americano e a Oceânia também já estão quase.


A África não vão, por causa dos mosquitos. E porque quando lá chegarem, já vive tudo clandestino na Europa.

Não compensa.


- "Vai buscar-me outra imperial, Terráquea, ou sugo-te o sistema nervoso todo pelo crâneo."

21.2.07

Quarta-feira de Cinzas

Acabou o Carnaval.


Felizmente.


Assim de repente tenho dificuldades em lembrar-me de festa mais deprimente que o Carnaval.


Há excepções, tudo bem, mas não chega para me fazerem gostar desse inferno de bimbalhice que é o Carnaval. Dante só não escreveu mais sobre este tema porque naquele tempo ainda não existiam foliões como nós os conhecemos.


O que vale é que passa rápido. Hoje já é quarta-feira de Cinzas.







Para este amigo, todas as quartas-feiras são de cinzas. E todas as quintas e todas as sextas.


Não se pode dizer que seja um folião compulsivo, é só um gajo com um emprego muito merdoso.

Passa ali o dia plantado, a ver passar, e só se dirigem a ele para apagar beatas na sua boca. Ainda por cima, belfo.


Uma vez fui lá meter conversa. Fui um bocado a medo, não fosse dar com um ressabiado, mas nada disso.

Apesar de já estar um bocado queimadinho, é um tipo com quem se pode ter uma conversa decente. Muito educado, muito culto (para os padrões de cultura de cinzeiro), com sentido de humor e por acaso também não suporta o Carnaval.

15.2.07

Dar o passo

Pascoal é bom rapaz.

Namora uma moça engraçada. Ela, bem diferente dele, é dinâmica, independente, sofisticada. Pascoal é só bom rapaz.

Não é burro, um pouco tímido talvez. Amigos chamam-lhe panhonhas, quase sempre na brincadeira. Pascoal não leva a mal.





Dia de S. Valentim. Ainda não há um ano que namoram, a relação parece ainda não ter um rumo definido. Mas Pascoal, que é bom rapaz, quer assentar. O dia de S. Valentim parece-lhe a data apropriada para tomar uma atitude.



Ele prepara um jantar mucho gostoso lá em casa. A casa, não é nada de especial mas está arrumada. E limpa. Não tem grande vista mas ao menos é fácil estacionar ali.

Pascoal na cozinha. Mete o avental, dispõe os ingredientes na bancada do maior para o mais pequeno, escolhe o melhor vinho, e lança-se numa cruzada de várias horas.



Oito e meia, toca a campainha. Ela foi lá ter, é independente e sofisticada. E é fácil estacionar ali.



O jantar está óptimo, o vinho é perfeito. Ela já experimentou cozinhas mais elaboradas, já bebeu vinhos mais caros, mas o esforço de Pascoal para agradá-la não lhe passa completamente ao lado. E que esforço, ao cabo de vários meses juntos, Pascoal ainda se ri da maioria das piadas dela.



Pascoal convida-a a ir um pouco para o sofá. Está-se mais à vontade para falar.

- “Eu gostava de ir lá fora dar um passeio contigo, mas com a ladroagem que anda agora aí no bairro… compreendes?”


Ela compreende. Vão para o sofá.



Música! É preciso música! Pascoal abre a Playstation e mete Paul Anka. Aprendeu bem a lição, os discos do Kenny G e as compilações de Natal custaram-lhe as duas últimas relações.



A conversa flúi. Ele serve champanhe e chocolates. Champanhe não, é um espumantezito bastante agradável e muito mais em conta.

Precisamente quando Pascoal tentava falar de projectos para o futuro sem se atrapalhar, quando tentava introduzir profundidade na relação, uma vozinha trémula e amedrontada:


- “Piedade!”


Pascoal abriu os olhos de espanto. Aquela súplica não encaixava no discurso dela. E a que propósito é que ela, sofisticada, iria pedir piedade?


- “Misericórdia, por favor! Parem com isto! OHH como dói!”


Pascoal olha para baixo, para a mesinha de apoio em frente ao sofá.





- “Ou então comam-me de uma vez, mas acabem logo com isto.”


Pascoal tenta disfarçar a situação antes que ela note. Como quem não quer a coisa, põe umas revistas em cima para abafar o som.


- “Isto quer dizer que já posso ir para casa? Onde é que eu apanho um táxi a esta hora?”


Ela nota que ele fica demasiado nervoso de um momento para o outro e sente-se desconfortável.


- “Por que é que não me dizes logo de uma vez o que quer que tenhas para me dizer? Isto é ridículo, Pascoal.”



- “Se quiserem até posso falar com o meu primo Mon Cheri. Ele não se importa de vir no meu lugar. A sério. Mas deixei o número dele em casa, por isso…”


Pascoal passa-se:

- “SIM, VAI! VAI PARA CASA DE UMA VEZ E NÃO ME CHATEIES MAIS!”


- “Desculpa?!” – Ela engole em seco, sem acreditar no que acaba de ouvir.


- “ Não! Ahh, desculpa, não é contigo que eu estava a falar…”


- “Não?! E posso saber com quem era, então?”


Pascoal fica vermelho, sem saber o que fazer. Nem o que dizer.


- “… Era com o… ahh… quer dizer… eu estava a falar com o… hum… bombom.”


Longo silêncio.


- “Sabes? As minhas amigas é que tinham razão, tu és demasiado estranho. Adeus.”


Ela agarra na mala e no casaco e sai pela porta com estrondo. E Pascoal, que é bom rapaz, tira as suas conclusões: Paul Anka também não funciona.





- “Achas que diga ao taxista para ir pelo aeroporto para fugir ao trânsito no centro?”

7.2.07

Chá, café, laranjada?

Por mais que eu tente, a actualidade ainda não passa totalmente ao lado deste blog. Na recta final da discussão sobre o aborto, os argumentos intensificam-se e, pior que isso, massificam-se. Não é possível ao cidadão comum escapar aos cartazes espalhados por toda a parte, aos constantes debates televisivos e radiofónicos, ou às opiniões das pessoas na rua e nos cafés.

Pessoalmente, confesso que o que é demais cansa. Não seria de descartar a ideia de um novo formato de consulta popular, tendo por base o saudoso programa da RTP2 “Agora escolha”. Recuperava-se a Vera Roquete, apresentavam-se dois blocos de argumentos, e depois deixava-se a votação decorrer por telefone enquanto se repunha “As aventuras de Tom Sawyer”. Quanto mais não fosse, combatia-se a abstenção.



A questão do aborto em si continuará sem resposta, já que se discute tudo à volta menos a pergunta concreta que é feita. Em contrapartida extremaram-se as duas posições, de tal forma que quanto a essas não restam dúvidas. Os defensores do NÃO assumem o papel de retrógrados-hipócritas-fascizóides, ao passo que os apologistas do SIM são conotados com libertinos-facilitistas-assassinos-de-criancinhas. Quanto a argumentos, parece que já todos foram utilizados: a vida enquanto bem inviolável, os direitos da mulher, o dinheiro que provavelmente sairá do bolso dos contribuintes caso o SIM ganhe, entre muitos outros.



Não tenciono alongar-me muito neste tema aqui no blog, no entanto quero só chamar a atenção para um dos argumentos que mais me diverte. É daqueles sorrateiros, porque no meio das enormidades que o NÃO defende, este até faz algum sentido. Se um gajo não está atento, ainda passa.

Diz o NÃO que se a mulher não quiser ou não puder sustentar a criança, pode dá-la para adopção. Neste ponto estou de acordo com eles. Aliás, o Estado devia criar mais instituições que se prontificassem a receber coisas que eu não queira: crianças, adultos, roupa que já não sirva, móveis velhos, livros do ciclo, telefones avariados, tudo o que estiver a mais. Desde que isso não me saia dos impostos, claro. Se tiver direito a retoma, melhor ainda.

Estou certo que, com a celeridade e eficácia que caracteriza o processo de adopção em Portugal, o psiché que lá tenho em casa irá ser muito feliz com a sua nova família.



Acredito que o país está dividido, não pelo tema em si, mas pela forma como a pergunta está formulada. Talvez com um pequeno ajuste no português se pudesse pôr toda a gente do mesmo lado.

– “Concorda com o fim da palhaçada?” – Esta seria a pergunta mais honesta e consensual.


Toda esta polémica a dividir o país surge por causa de apenas um referendo. Repito, 1 referendo 1!
Com tantos assuntos delicados que ainda atrasam o país, acredito que se fosse feito um referendo para cada um, estaríamos no bom caminho de uma bonita guerra civil. Daí esta minha sugestão aos governantes do país: um referendo global para despachar já uma mão cheia de temas aborrecidos sem nos chatearmos todos.






(Eu também gostava de clicar na imagem para ampliar, mas por razões que só o senhor internet conhece, não está a dar. Por isso, transcrevi as perguntas aqui em baixo. Devem ser lidas com o máximo de atenção, por um voto em consciência.)


- Aborto
- Drogas leves
- Prostituição
- Eutanásia
- Casamentos gay
- Adopção de crianças por casais gay
- Regionalização
- Pena de morte
- Corrupção activa (especial para autarcas)
- Imigração ilegal
- Trabalho infantil
- Pedofilia
- Desemprego
- Impostos
- Pirataria na internet

- Terrorismo
- Venda de Portugal a Espanha
- Venda da Madeira à Venezuela
- Tuning
- Taxistas
- Provas globais
- Crucifixos em igrejas
- Canibalismo
- Turismo sénior (em particular quando oferecem 5 L de azeite em viagens de 1 dia a Salamanca)
- A actual receita de Amêijoas à bulhão pato
- Liberdade para Xanana Gusmão
- Gente que utiliza um “S” no final dos verbos na 2ª pessoa do singular, como em “”fostes”, “fizestes” ou “comestes”.
- Carrilho é bicha?
- Fechou bem a porta quando saiu de casa?
- Toma alguma coisa? Chá? Café? Laranjada?


"Sim" ou "não" basta.