17.1.07

Projectos adiados

Nem o mais distraído consegue passar ao lado do cenário negro que se vive no nosso pequeno país. A instabilidade da economia, a precariadade do emprego e a constante diminuição do poder de compra da população ditam as regras numa sociedade prestes a estalar num ataque de nervos. E assim, milhares de projectos de vida vão sendo constantemente adiados.

Alguns, os mais sonhadores, ainda ambicionam levar uma vida confortável, vivendo apenas da sua arte.






No outro dia, ia na rua quando ouvi: - "Uma moedinha para o artista."

Não olhei logo, pensei que fosse mais um daqueles marginais a cheirar a um misto de cão, pinga e benzina, que costumam andar pelo Chiado a cravar às pessoas.




Uma vozinha trémula insistiu: "Eu sei cantar, eu toco instrumentos... (suspiro) Tenho fome." Voltei-me para trás, não sou de ferro. Gosto de ajudar quem precisa mesmo.


- "Ok, não é bem fome fome, é mais larica. Tenho um ratito, vá."




Ainda assim tive vontade de ajudar. Não era nenhum pedinte profissional, mas alguém... uh.. alguma coisa que simplesmente não tinha tido sorte na vida.


- "Que te aconteceu, amigo(a)? Por que estás aqui?" - perguntei-lhe.


- "A sorte abandonou-me."


- "Posso ajudar-te? Como te chamas?"


- "Cristina, sou uma chapa. Talvez me possas ajudar a chegar aos palcos."


- "És uma chapa? E qual é o teu background?"


- "Hã?"


- "Quais são as tuas habilitações?"


- "Ah!... Bom, estudei. Cheguei a ir para a faculdade, mas desisti do curso."


- "Porquê?"


- "Aquilo não era para mim."


- "Ai não? Então o que é que é para ti? As chapas que conheço costumam ser tampas de panelas ou de latas de tinta."


- "Já olhaste bem para mim? Não se nota logo que sou diferente?"


- "Bem... sim. Para começar, falas."


- "Eu sou uma artista!"


- "Compreendo, é um meio muito difícil esse... Mas sendo assim, não sei mesmo como é que te posso ajudar."


- "Tens uma moedinha que me possas dispensar?"


- "Isso não vai resolver o teu problema."


- "Não, era para comer um bolo-de-arroz."


- "Gostava mesmo era de te ajudar a sair da sarjeta. Estava agora aqui a pensar, tenho um primo que canta... talvez lhe pudesse dar a dica."


- "Essa era uma boa. Se fico aqui à espera de um caça-talentos nunca mais vejo o meu bolo-de-arroz."



Fiquei de lhe dizer qualquer coisa, mesmo que não tivesse grandes novidades. Aproveito para fazer um apelo aos leitores deste blog: se alguém conhecer quem possa ajudar Cristina, a chapa , por favor avisem-me. Eu adorava mesmo ajudar.


-> Parece que já estou a ver: "XAPPA NO CANECÃO."

1 Comentários:

Blogger Margarida Guerreiro ou Bia disse...

Cada dia uma surpresa nova e o mais interessante é que te vejo mesmo a falar com a chapa.
Acho-a uma chapa bastante catita e expressiva e gostava de me cruzar com ela porque conheço os melhores bolos de arroz do país e ela ia gostar.

Que belas criaturas que nos mostras :)

2:14 da tarde  

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