31.1.07

O passeio dos horrores

No outro dia fui passear.

Iniciativa minha, desta vez ninguém me mandou. Tive vontade de ir andar, peguei em mim e lá fui eu até ao Parque das Nações. Pensei que o ar fresco do rio, junto àquele pontão mais afastado que atravessa boa parte do parque me iria ajudar a arrumar algumas ideias na cabeça.


Grande erro!



A minha cabeça não tem lá grande arrumação possível, e as ideias que por lá passam é quase como se estivessem no meio de uma pista de carrinhos de choque: vêm de todos os lados, sem prioridades, e tudo num agradável caos.


Mas isso eu já sabia. O erro foi a escolha do local.




Pensava eu que o Parque das Nações era um local pacífico, neutro e que convidasse a um bom passeio. Ali estava em segurança, longe de todas as caras que passo a vida a ver.

Não que eu viva mal com isso, mas às vezes preciso de um pouco de privacidade.





Dou os primeiros passos no longo pontão de madeira e, até aí, tudo normal. Uns passos mais à frente começo com a sensação de que estava a ser observado. Uma estranha e penetrante sensação, de facto.

Olhei para trás e nada.


De repente, lá muito ao fundo, começo a ouvir uma espécie de eco, qualquer coisa como um cântico gutural e imperceptível. Ou um choro, não estou certo.





Não era apenas uma sensação. Era real. Eu estava a ser observado. E de que maneira!



Por baixo dos meus pés, centenas – talvez até dezenas! - de caras olhavam-me, com uma expressão de puro terror. Estavam em toda a parte, encolhidas, tristes, frias, mal amadas, mal tratadas, enrugadas, desfiguradas, suplicando por ajuda e compreensão.
Não fazem mal a ninguém, não entendo por que razão são tão desprezadas. Estão ali plantadas, sem poderem sair para lado algum (nem para um chichi), a levarem com pés o dia inteiro, e sujeitas a valentes cagadelas de pombo e à erosão da água.


Estão ali. Apenas isso. Estão ali a olhar para cima. E de cima só vêm coisas ruins.

















Cheguei a casa já de noite. Os seguranças do parque viram-se forçados a usar da força física (e não foi preciso muita) para me retirarem do local. Aparentemente, as autoridades que gerem o parque não encararam muito bem eu ter bloqueado o pontão, impedindo a passagem de quem quer que fosse.

Gritei, esperneei, corri Quilómetros para a frente e para trás na tentativa de ajudar aquelas indefesas criaturas, habitantes do parque, e é assim que me agradecem.


Às vezes sinto-me um bocado sozinho nisto.

Pode ser que aproveite isso para arrumar ideias.




Vou dar uma volta.





.

1 Comentários:

Blogger Margarida Guerreiro ou Bia disse...

Da janela do meu local de trabalho vejo neste momento uma das passadeiras do parque das nações, com pessoas a passar por elas.
Não oiço gritos nem choros, oiço aplausos, como se as caras que lá habitam dessem uma salva a cada pessoa que lá passa. Porque assim não estão sózinhas, porque são o palco desta gente sem público.

5:45 da tarde  

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