A minha noite dava um livro
Nota prévia: este post está um bocado longo, mas não havia outra maneira de descrever o que eu presenciei. Para facilitar a leitura, separei a história em capítulos. A papinha toda feita... sou mais que vosso pai.
Outra nota prévia: queria muito colocar aqui os vídeos que eu mesmo fiz, mas foi-me tecnicamente impossível. Por isso, seguem os disponíveis no myspacetv.
Era uma Sexta-feira à noite como qualquer outra. Mas só até eu ter tido a pior ideia possível numa Sexta-feira à noite.
A história conta-se mais ou menos assim:
Preâmbulo
Andava eu descontraidamente pelo Bairro até que dei comigo à porta da galeria Zé Dos Bois (ZDB) e decidi entrar.
A ZDB, para quem não conhece, é um espaço destinado a concertos e exposições, rotulado de “alternativo”.
“Alternativo”, trocado por miúdos, significa que se apresenta como alternativa às estéticas culturais adoptadas pelas massas. “Alternativo” também serve para classificar tudo o que não tenha lá muita qualidade. Neste caso, a regra é “Não gostas? Isso é porque não compreendes. É… alternativo.”
A ZDB é, assim, uma lotaria. Nunca se sabe o que pode sair.
À porta da ZDB lembrei-me que tinha lido que lá ia haver um concerto nessa noite. Sobre Angel Eyedealism, a estrela, uma espécie de discípula de Goldfrapp, diziam: “É-lhe atribuída uma elegância bizarra. O seu espectáculo revela toda a energia contagiante, com o brilho e a fantasia que lhe são inerentes.”
Não conhecia a senhora, mas por curiosidade resolvi entrar. Elegância bizarra e Goldfrapp, agradam-me. (Sim, eu estava a pedi-las!)
Capítulo I
A primeira parte estava reservada aos senhores do vídeo postado aqui ontem. Dois músicos portugueses, Nuno Rebelo & Marco Franco, que nos traziam “Pocketbook of Lightning”. Vamos ver um pouco.
pocket book of lightning
Portanto ainda estão a aprender a tocar, não é? Ainda estão naquela fase de descoberta em que, tal como uma criança de três anos quando recebe um instrumento de brincar pelo Natal, desata a bater desajeitadamente com ele no chão e a sorrir. É quase fofo, não fosse a eternidade que isto durou.
É que durante horas a única coisa que acontecia em palco eram dois tipos, um na bateria e outro na guitarra, a produzir sons. Sons soltos, sem melodia, sem ritmo, sem fio condutor nem qualquer coisa que se possa associar vagamente ao que conhecemos por “música”. Ruído.
Bom, posso estar aqui a ser injusto. Se calhar eu é que não compreendi bem o conceito, porque afinal é tudo… alternativo.
Há duas formas de se olhar para um show deste tipo.
Uma é vestir a pele do pseudo-intelectual, com uma postura séria e concentrada, de quem está a apreciar o que nenhuma pessoa normal consegue gostar.
Outra, a minha preferida, é rir.
Rir da minha desgraça. Rir do esforço da plateia para tentar levar aquilo a sério. Rir por sentir-me gozado pela malta da Zé dos Bois. Rir para não chorar.
Estava a ser doloroso. Ao cabo de quarenta minutos as pessoas começaram a sentir-se desconfortáveis. Já sopravam de tédio, já se levantavam para ir buscar jolas, já abandonavam a sala. Eu? Rezava, um bocadinho. A fé surge nos momentos de maior aperto, dizem.
Capítulo II
Surgiu do escuro, por detrás do público, um vulto que deslizou para o palco. “Por Deus! É um louco e vai matar-nos a todos!” – pensei.
Não era. Era Angel Eyedealism. (Vale a pena explorar o seu myspace)
Percebam o meu medo. Estou a falar de uma imponente senhora de 2.10 m e formas generosas (eufemisticamente falando), apresentando-se com um corpete, calças sem fundo, pestanas de 15 cm, maquilhagem rosa choc, cabelo inexplicável e uma malinha de mão. Qualquer coisa que terá resultado do cruzamento improvável entre Vasco Uva e uma dama da Belle Époque, ou Carnaval de Torres e Corpse Bride. Fantasmagórico!
Chegou com um ar agressivo e cheia de atitude, a disparar em todas as direcções. Disse que os músicos antes dela não valiam ponta de um corno (aqui sou obrigado a concordar), acusou os portugueses de serem todos uns atrasados e sexualmente reprimidos e ainda arranjou espaço para ir fazendo manguitos aos mirones curiosos que passavam na rua. Como bónus, mostrava-lhes também o seu gigantesco traseiro a descoberto nas calças sem fundo.
Pousou a malinha numa mesa, abriu-a, e começou a tirar dildos lá de dentro. Apresentou-os: “São os meus amigos.”
A parte “bizarra” confere. Falta a elegância.
Começou a música. Microfone normal na mão direita, microfone com distorção na mão esquerda. O sampler fazia o resto. O resultado?
Angel Eyedealism EPK 2006
É abrir a goela e vai de cantar tudo a eito, fora de ritmo e de tom, e gritando sempre que pode. De facto, essa é mesmo uma das suas particularidades: a meio da música, a senhora decide introduzir guinchos absurdamente estridentes que ela considera uma mais-valia artística.
Acreditem, aqueles guinchos não são humanos. Eu presenciei, é qualquer coisa entre um extraterrestre e uma morsa do árctico. Ao fim da primeira música percebi que ela não era discípula de Goldfrapp, mas de Ninfa Artemis.
Angel Eyedealism - Skype Call
As letras são simplesmente imbecis, com tiradas como “I had a party at my house, Christopher Walken was there”, frase que ela repetiu ininterruptamente durante uns vinte minutos até se cansar.
Pelo meio, ia interagindo com a plateia. Metia-se com as pessoas, sentou-se ao colo de dois espectadores inocentes (volto a lembrar que ela deve pesar o equivalente a um dragão), até que, a certa altura, entendeu que tinha de obter um orgasmo em público.
A coisa descambou de vez!
Pegou num dos seus “amigos” e enfiou-o por dentro das calças enquanto continuava a cantar. O público entreolhou-se tentando perceber se aquilo fazia parte do espectáculo.
Ela não conseguiu continuar, disse que se sentia demasiado intimidada. (ELA é que estava intimidada?!)
Capítulo III
A noite terminou como só podia terminar depois de um freakshow daquele calibre: mal.
Impulsionado pelo álcool, por um acesso de ego ou apenas por compaixão para com todos os que estavam agarrados às cadeiras a sofrer, Marco Franco, o baterista da primeira parte, decidiu intervir. Invadiu o palco de baquetas em punho e pôs-se a tocar bateria.
A confusão instalou-se, Angel Eyedealism saiu de palco a protestar, Marco Franco, ignorando toda a gente, tocava sozinho como se estivesse no Live Aid e os ânimos do público exaltaram-se.
Não esperei mais para ver como tudo acabou, mas para mim, um final à altura era a PSP entrar e levar tudo para o xelindró. Eu é que achei que devia ir andando.
O trauma já ia grande e tinha muito que contar ao meu psicoterapeuta. Ele é pago à hora.
Outra nota prévia: queria muito colocar aqui os vídeos que eu mesmo fiz, mas foi-me tecnicamente impossível. Por isso, seguem os disponíveis no myspacetv.
Era uma Sexta-feira à noite como qualquer outra. Mas só até eu ter tido a pior ideia possível numa Sexta-feira à noite.
A história conta-se mais ou menos assim:
Preâmbulo
Andava eu descontraidamente pelo Bairro até que dei comigo à porta da galeria Zé Dos Bois (ZDB) e decidi entrar.
A ZDB, para quem não conhece, é um espaço destinado a concertos e exposições, rotulado de “alternativo”.
“Alternativo”, trocado por miúdos, significa que se apresenta como alternativa às estéticas culturais adoptadas pelas massas. “Alternativo” também serve para classificar tudo o que não tenha lá muita qualidade. Neste caso, a regra é “Não gostas? Isso é porque não compreendes. É… alternativo.”
A ZDB é, assim, uma lotaria. Nunca se sabe o que pode sair.
À porta da ZDB lembrei-me que tinha lido que lá ia haver um concerto nessa noite. Sobre Angel Eyedealism, a estrela, uma espécie de discípula de Goldfrapp, diziam: “É-lhe atribuída uma elegância bizarra. O seu espectáculo revela toda a energia contagiante, com o brilho e a fantasia que lhe são inerentes.”
Não conhecia a senhora, mas por curiosidade resolvi entrar. Elegância bizarra e Goldfrapp, agradam-me. (Sim, eu estava a pedi-las!)
Capítulo I
A primeira parte estava reservada aos senhores do vídeo postado aqui ontem. Dois músicos portugueses, Nuno Rebelo & Marco Franco, que nos traziam “Pocketbook of Lightning”. Vamos ver um pouco.
pocket book of lightning
Portanto ainda estão a aprender a tocar, não é? Ainda estão naquela fase de descoberta em que, tal como uma criança de três anos quando recebe um instrumento de brincar pelo Natal, desata a bater desajeitadamente com ele no chão e a sorrir. É quase fofo, não fosse a eternidade que isto durou.
É que durante horas a única coisa que acontecia em palco eram dois tipos, um na bateria e outro na guitarra, a produzir sons. Sons soltos, sem melodia, sem ritmo, sem fio condutor nem qualquer coisa que se possa associar vagamente ao que conhecemos por “música”. Ruído.
Bom, posso estar aqui a ser injusto. Se calhar eu é que não compreendi bem o conceito, porque afinal é tudo… alternativo.
Há duas formas de se olhar para um show deste tipo.
Uma é vestir a pele do pseudo-intelectual, com uma postura séria e concentrada, de quem está a apreciar o que nenhuma pessoa normal consegue gostar.
Outra, a minha preferida, é rir.
Rir da minha desgraça. Rir do esforço da plateia para tentar levar aquilo a sério. Rir por sentir-me gozado pela malta da Zé dos Bois. Rir para não chorar.
Estava a ser doloroso. Ao cabo de quarenta minutos as pessoas começaram a sentir-se desconfortáveis. Já sopravam de tédio, já se levantavam para ir buscar jolas, já abandonavam a sala. Eu? Rezava, um bocadinho. A fé surge nos momentos de maior aperto, dizem.
Capítulo II
Surgiu do escuro, por detrás do público, um vulto que deslizou para o palco. “Por Deus! É um louco e vai matar-nos a todos!” – pensei.
Não era. Era Angel Eyedealism. (Vale a pena explorar o seu myspace)
Percebam o meu medo. Estou a falar de uma imponente senhora de 2.10 m e formas generosas (eufemisticamente falando), apresentando-se com um corpete, calças sem fundo, pestanas de 15 cm, maquilhagem rosa choc, cabelo inexplicável e uma malinha de mão. Qualquer coisa que terá resultado do cruzamento improvável entre Vasco Uva e uma dama da Belle Époque, ou Carnaval de Torres e Corpse Bride. Fantasmagórico!
Chegou com um ar agressivo e cheia de atitude, a disparar em todas as direcções. Disse que os músicos antes dela não valiam ponta de um corno (aqui sou obrigado a concordar), acusou os portugueses de serem todos uns atrasados e sexualmente reprimidos e ainda arranjou espaço para ir fazendo manguitos aos mirones curiosos que passavam na rua. Como bónus, mostrava-lhes também o seu gigantesco traseiro a descoberto nas calças sem fundo.
Pousou a malinha numa mesa, abriu-a, e começou a tirar dildos lá de dentro. Apresentou-os: “São os meus amigos.”
A parte “bizarra” confere. Falta a elegância.
Começou a música. Microfone normal na mão direita, microfone com distorção na mão esquerda. O sampler fazia o resto. O resultado?
Angel Eyedealism EPK 2006
É abrir a goela e vai de cantar tudo a eito, fora de ritmo e de tom, e gritando sempre que pode. De facto, essa é mesmo uma das suas particularidades: a meio da música, a senhora decide introduzir guinchos absurdamente estridentes que ela considera uma mais-valia artística.
Acreditem, aqueles guinchos não são humanos. Eu presenciei, é qualquer coisa entre um extraterrestre e uma morsa do árctico. Ao fim da primeira música percebi que ela não era discípula de Goldfrapp, mas de Ninfa Artemis.
Angel Eyedealism - Skype Call
As letras são simplesmente imbecis, com tiradas como “I had a party at my house, Christopher Walken was there”, frase que ela repetiu ininterruptamente durante uns vinte minutos até se cansar.
Pelo meio, ia interagindo com a plateia. Metia-se com as pessoas, sentou-se ao colo de dois espectadores inocentes (volto a lembrar que ela deve pesar o equivalente a um dragão), até que, a certa altura, entendeu que tinha de obter um orgasmo em público.
A coisa descambou de vez!
Pegou num dos seus “amigos” e enfiou-o por dentro das calças enquanto continuava a cantar. O público entreolhou-se tentando perceber se aquilo fazia parte do espectáculo.
Ela não conseguiu continuar, disse que se sentia demasiado intimidada. (ELA é que estava intimidada?!)
Capítulo III
A noite terminou como só podia terminar depois de um freakshow daquele calibre: mal.
Impulsionado pelo álcool, por um acesso de ego ou apenas por compaixão para com todos os que estavam agarrados às cadeiras a sofrer, Marco Franco, o baterista da primeira parte, decidiu intervir. Invadiu o palco de baquetas em punho e pôs-se a tocar bateria.
A confusão instalou-se, Angel Eyedealism saiu de palco a protestar, Marco Franco, ignorando toda a gente, tocava sozinho como se estivesse no Live Aid e os ânimos do público exaltaram-se.
Não esperei mais para ver como tudo acabou, mas para mim, um final à altura era a PSP entrar e levar tudo para o xelindró. Eu é que achei que devia ir andando.
O trauma já ia grande e tinha muito que contar ao meu psicoterapeuta. Ele é pago à hora.
8 Comentários:
Estes artistas são uns senhores! Mais, são o futuro da música. Eu acho estas experiências espectaculares,desde esse dia que não sou a mesma. Se não acreditam perguntem aos meus colegas de trabalho, que desde segunda-feira levam comigo a bater com o rato na cabeça e uma garrafa de água no monitor.
Arte meus caros, arte! Da pior claro.
GEEEEEEZZZZZ.....
.......UUUUUUUSSSSSSS!!!!
Isso é do pior que tenho visto... nos últimos 23 anos da minha existência!! Como é que é possível...
Não é que seja mau... é alternativo.
Se não te conhecesse o teu fino trato e gosto distinto, diria que és uma granda besta. inculto! Selvagem!
onde já se viu?
Se é ZDB, é bom.
Chorei a rir com o teu texto, às tantas já tava toda a gente a olhar pra mim...O que eu perdi...
lol
opa... q MEDO!
vim parar aqui ao acaso, comecei a ler e... A MINHA VIDA MUDOU COMPLETAMENTE DEPOIS DE LER ISTO TUDO E VER OS RESPECTIVOS FILMES.
ok, "aquilo" é... humano? recuso-me a acreditar. E espero que não tenha muitos seguidores; aquelas roupas e adereços vão-me causar pesadelos.
Apesar de tudo, QUE INVEJA. Eu adorava ter lá estado, era o diabo de uma boa história para contar aos meus futuros netos.
cheers ^^
Bem-vinda, danny. Ainda acreditas que vieste aqui parar por acaso? Daqui a uns tempos, quando também vires caras, aí sim, a tua vida terá mudado.
Quanto aos meus netos... esquece lá isso, já basta um avô traumatizado.
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