14.5.08

A minha noite dava um livro

Nota prévia: este post está um bocado longo, mas não havia outra maneira de descrever o que eu presenciei. Para facilitar a leitura, separei a história em capítulos. A papinha toda feita... sou mais que vosso pai.

Outra nota prévia: queria muito colocar aqui os vídeos que eu mesmo fiz, mas foi-me tecnicamente impossível. Por isso, seguem os disponíveis no myspacetv.



Era uma Sexta-feira à noite como qualquer outra. Mas só até eu ter tido a pior ideia possível numa Sexta-feira à noite.


A história conta-se mais ou menos assim:







Preâmbulo

Andava eu descontraidamente pelo Bairro até que dei comigo à porta da galeria Zé Dos Bois (ZDB) e decidi entrar.

A ZDB, para quem não conhece, é um espaço destinado a concertos e exposições, rotulado de “alternativo”.

“Alternativo”, trocado por miúdos, significa que se apresenta como alternativa às estéticas culturais adoptadas pelas massas. “Alternativo” também serve para classificar tudo o que não tenha lá muita qualidade. Neste caso, a regra é “Não gostas? Isso é porque não compreendes. É… alternativo.


A ZDB é, assim, uma lotaria. Nunca se sabe o que pode sair.

À porta da ZDB lembrei-me que tinha lido que lá ia haver um concerto nessa noite. Sobre Angel Eyedealism, a estrela, uma espécie de discípula de Goldfrapp, diziam: “É-lhe atribuí­da uma elegância bizarra. O seu espectáculo revela toda a energia contagiante, com o brilho e a fantasia que lhe são inerentes.

Não conhecia a senhora, mas por curiosidade resolvi entrar. Elegância bizarra e Goldfrapp, agradam-me. (Sim, eu estava a pedi-las!)










Capítulo I

A primeira parte estava reservada aos senhores do vídeo postado aqui ontem. Dois músicos portugueses, Nuno Rebelo & Marco Franco, que nos traziam “Pocketbook of Lightning”. Vamos ver um pouco.

pocket book of lightning


Portanto ainda estão a aprender a tocar, não é? Ainda estão naquela fase de descoberta em que, tal como uma criança de três anos quando recebe um instrumento de brincar pelo Natal, desata a bater desajeitadamente com ele no chão e a sorrir. É quase fofo, não fosse a eternidade que isto durou.

É que durante horas a única coisa que acontecia em palco eram dois tipos, um na bateria e outro na guitarra, a produzir sons. Sons soltos, sem melodia, sem ritmo, sem fio condutor nem qualquer coisa que se possa associar vagamente ao que conhecemos por “música”. Ruído.

Bom, posso estar aqui a ser injusto. Se calhar eu é que não compreendi bem o conceito, porque afinal é tudo… alternativo.




Há duas formas de se olhar para um show deste tipo.

Uma é vestir a pele do pseudo-intelectual, com uma postura séria e concentrada, de quem está a apreciar o que nenhuma pessoa normal consegue gostar.

Outra, a minha preferida, é rir.

Rir da minha desgraça. Rir do esforço da plateia para tentar levar aquilo a sério. Rir por sentir-me gozado pela malta da Zé dos Bois. Rir para não chorar.




Estava a ser doloroso. Ao cabo de quarenta minutos as pessoas começaram a sentir-se desconfortáveis. Já sopravam de tédio, já se levantavam para ir buscar jolas, já abandonavam a sala. Eu? Rezava, um bocadinho. A fé surge nos momentos de maior aperto, dizem.










Capítulo II

Surgiu do escuro, por detrás do público, um vulto que deslizou para o palco. “Por Deus! É um louco e vai matar-nos a todos!” – pensei.


Não era. Era Angel Eyedealism. (Vale a pena explorar o seu myspace)

Percebam o meu medo. Estou a falar de uma imponente senhora de 2.10 m e formas generosas (eufemisticamente falando), apresentando-se com um corpete, calças sem fundo, pestanas de 15 cm, maquilhagem rosa choc, cabelo inexplicável e uma malinha de mão. Qualquer coisa que terá resultado do cruzamento improvável entre Vasco Uva e uma dama da Belle Époque, ou Carnaval de Torres e Corpse Bride. Fantasmagórico!


Chegou com um ar agressivo e cheia de atitude, a disparar em todas as direcções. Disse que os músicos antes dela não valiam ponta de um corno (aqui sou obrigado a concordar), acusou os portugueses de serem todos uns atrasados e sexualmente reprimidos e ainda arranjou espaço para ir fazendo manguitos aos mirones curiosos que passavam na rua. Como bónus, mostrava-lhes também o seu gigantesco traseiro a descoberto nas calças sem fundo.


Pousou a malinha numa mesa, abriu-a, e começou a tirar dildos lá de dentro. Apresentou-os: “São os meus amigos.


A parte “bizarra” confere. Falta a elegância.


Começou a música. Microfone normal na mão direita, microfone com distorção na mão esquerda. O sampler fazia o resto. O resultado?

Angel Eyedealism EPK 2006


É abrir a goela e vai de cantar tudo a eito, fora de ritmo e de tom, e gritando sempre que pode. De facto, essa é mesmo uma das suas particularidades: a meio da música, a senhora decide introduzir guinchos absurdamente estridentes que ela considera uma mais-valia artística.

Acreditem, aqueles guinchos não são humanos. Eu presenciei, é qualquer coisa entre um extraterrestre e uma morsa do árctico. Ao fim da primeira música percebi que ela não era discípula de Goldfrapp, mas de Ninfa Artemis.


Angel Eyedealism - Skype Call



As letras são simplesmente imbecis, com tiradas como “I had a party at my house, Christopher Walken was there”, frase que ela repetiu ininterruptamente durante uns vinte minutos até se cansar.

Pelo meio, ia interagindo com a plateia. Metia-se com as pessoas, sentou-se ao colo de dois espectadores inocentes (volto a lembrar que ela deve pesar o equivalente a um dragão), até que, a certa altura, entendeu que tinha de obter um orgasmo em público.

A coisa descambou de vez!

Pegou num dos seus “amigos” e enfiou-o por dentro das calças enquanto continuava a cantar. O público entreolhou-se tentando perceber se aquilo fazia parte do espectáculo.

Ela não conseguiu continuar, disse que se sentia demasiado intimidada. (ELA é que estava intimidada?!)










Capítulo III

A noite terminou como só podia terminar depois de um freakshow daquele calibre: mal.


Impulsionado pelo álcool, por um acesso de ego ou apenas por compaixão para com todos os que estavam agarrados às cadeiras a sofrer, Marco Franco, o baterista da primeira parte, decidiu intervir. Invadiu o palco de baquetas em punho e pôs-se a tocar bateria.

A confusão instalou-se, Angel Eyedealism saiu de palco a protestar, Marco Franco, ignorando toda a gente, tocava sozinho como se estivesse no Live Aid e os ânimos do público exaltaram-se.



Não esperei mais para ver como tudo acabou, mas para mim, um final à altura era a PSP entrar e levar tudo para o xelindró. Eu é que achei que devia ir andando.


O trauma já ia grande e tinha muito que contar ao meu psicoterapeuta. Ele é pago à hora.

8 Comentários:

Blogger Stamp disse...

Estes artistas são uns senhores! Mais, são o futuro da música. Eu acho estas experiências espectaculares,desde esse dia que não sou a mesma. Se não acreditam perguntem aos meus colegas de trabalho, que desde segunda-feira levam comigo a bater com o rato na cabeça e uma garrafa de água no monitor.

Arte meus caros, arte! Da pior claro.

12:35 da tarde  
Blogger pegueitrinquei disse...

GEEEEEEZZZZZ.....



.......UUUUUUUSSSSSSS!!!!

Isso é do pior que tenho visto... nos últimos 23 anos da minha existência!! Como é que é possível...

1:45 da tarde  
Blogger Porcos no Espaço disse...

Não é que seja mau... é alternativo.

2:32 da tarde  
Blogger Prezado disse...

Se não te conhecesse o teu fino trato e gosto distinto, diria que és uma granda besta. inculto! Selvagem!

onde já se viu?
Se é ZDB, é bom.

1:08 da manhã  
Blogger Então oh coisinha? disse...

Chorei a rir com o teu texto, às tantas já tava toda a gente a olhar pra mim...O que eu perdi...

9:58 da manhã  
Blogger --- avião de papel --- disse...

lol
opa... q MEDO!

10:57 da manhã  
Blogger Danny disse...

vim parar aqui ao acaso, comecei a ler e... A MINHA VIDA MUDOU COMPLETAMENTE DEPOIS DE LER ISTO TUDO E VER OS RESPECTIVOS FILMES.
ok, "aquilo" é... humano? recuso-me a acreditar. E espero que não tenha muitos seguidores; aquelas roupas e adereços vão-me causar pesadelos.
Apesar de tudo, QUE INVEJA. Eu adorava ter lá estado, era o diabo de uma boa história para contar aos meus futuros netos.

cheers ^^

12:39 da manhã  
Blogger Porcos no Espaço disse...

Bem-vinda, danny. Ainda acreditas que vieste aqui parar por acaso? Daqui a uns tempos, quando também vires caras, aí sim, a tua vida terá mudado.

Quanto aos meus netos... esquece lá isso, já basta um avô traumatizado.

1:58 da tarde  

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